sábado, 3 de novembro de 2012

Zumbi, e a necrose da alma.



Ontem um amigo meu que é jornalista me perguntou se eu já havia notado o quanto Zumbis estão na moda. Sou filho da geração de 80. Nasci em um uma época que os deuses já estavam mortos e os últimos heróis vivos haviam se prostituído, então todos nos também desistimos de lutar. Tendo ficado já passado na história as gerações dos perturbados Bitnicks, dos complacentes Hippies e dos apocalípticos Punks tivemos que encontrar nossa identidade própria. Corríamos sem saber para o lugar onde iríamos chegar, mas tínhamos a certeza que não era ali que queríamos ficar. Precisávamos fugir, ou como romântico Bocage falou: -Tenho muita saudade de todo o lugar de onde não estou.  Nesse palco dos anos 80, como rota de fuga, toma grande força o mito caribenho do Zumbi, que volta a estar na moda hoje. 
É meio desconcertante pensar em um corpo desprovido de alma que simplesmente existe, ou um ser humano morto-vivo. Vítima de das práticas do Vodoo, que no dialeto Dahomey quer dizer justo espiro. E como em toda crença africana, tal prática se manifesta de toda sua força em uma forma pura, autônoma e não maniqueísta. Derivado do cristianismo primitivo e de vários ritos africanos esse culto se edificou e difundiu por todo o caribe. Tendo origem na República do Haiti, sociedade onde os Houngan e as Mambo, os sacerdotes da prática, são ainda detentores de muito prestígio. Curiosamente é local onde também a primeira revolta escravista encontrou o terreno fértil para florescer.  Alguns antropólogos, estudiosos desse culto, afirmam que tais criaturas zumbis realmente existem. Porem também desmistificam tal fato. A prática vernácula de suas crenças os levou as toxinas de alguns sapos caribenhos que induzem as pessoas a catalepsia, demência e as terríveis necroses pela falta do contato com sistema nervoso periférico. Tornando um ser humano em um escravo da sugestão, pronto a atender aos caprichos de seu mestre.

Será que esquecemos da liberdade, na ânsia dessa fuga as idéias de escravidão voluntária, ou do poder originário, em cada dia que atamos uma gravata em nosso serviço! Focault aparte, eu acredito que isso transforme todos nos em zumbis de uma forma deliberada e aceita, e por fim vendemos nossa alma. Em uma época que os que dão as cartas hoje só temem as mesmas ideias da revolução francesa, inspirada na igualdade entre os homens. Talvez por isso, edificamos novos modelos de virtude como a "Revolução Verde" e o "Politicamente Correto", que hoje já não valem mais que carcaças dos heróis jazendo em um campo de batalha; assim como os druidas Celtas já praticavam... Hoje novamente nos vendemos nossas crenças em caixas cada vez menores e com melhores resoluções. Poderia a dinâmica geração de 80 ter se convertido em um bando de letárgicos zumbis? É certo que hoje vivemos em uma etapa meio retro perdida nos anos passados de 50, 60 ou 70... Nada mais que outro escapismo; que assim como nos temerarios antigos românticos de séculos passados, não me agrada em nada!

domingo, 3 de junho de 2012

Aquiles e Heitor

Aquiles ataca Heitor - obra de Peter Paul Rubens (1577-1640).


"Canto de ira, deusa, a destruidora ira de Aquiles, filho de Peleu, que trouxe incontáveis dores aos Aqueus, e mandou muitas almas valiosas de heróis a Hades, enquanto seus corpos serviam de alimento para os cães e pássaros, e a vontade de Zeus foi feita ..." (introdutório de a Ilíada de Homero)

Fiquei surpreso ao ver o post de um bom irmão de armas que explicitava as diferenças entre os “pés pretos”(soldados comuns) e aqueles que usam “botas marrons”(forças especiais); e muitas existem, sim. Na mesma hora me subiu a mente alguns tercetos do canto de Homero na Ilíada, e aquilo que a história guardou para Aquiles e Heitor.
Acredito que a batalha entre esses dois heróis é o ápice da primeira guerra de proporções épicas da história. Páris, cego pelo amor, dá início ao maior drama da antiguidade clássica ao conquistar Helena, mulher de Menelau irmão de Agamenon. Assim se faz um cerco de dez anos a cidade de tróia, fato que queimaria a memória ocidental de tal forma que atravessaria vivo milênios.
Ocorre que Pátroclo, amante de Aquiles, pede emprestada a armadura desse herói para liderar um ataque. A escaramuça funciona, os troianos acreditam estar enfrentado Aquiles. Mas isso também desperta a atenção de Heitor, que encontra com Pátroclo em campo de batalha. O herói troiano abate no campo da honra o primo do maior dos guerreiros gregos.   
Tal fato ensandece a alma de Aquiles, que já pensava em desistir do cerco, entretanto, a vingança do amante lhe delega uma nova motivação. Aquiles desafia Heitor para um duelo no nono ano de guerra. Heitor, o bom soldado, imagina que essa seria uma oportunidade de por fim no combate, assegurando assim a liberdade para aqueles que ele amava.   
Aquiles, descendente de Zeus, facilmente atravessa sua lança na garganta de Heitor. Não satisfeito com isso, amarra o corpo de Heitor a sua biga e o arrasta ao redor das muralhas de Tróia. Negar o túmulo ao homem antigo era o pior dos castigos, pois para eles a existência acabaria na falta da lembrança.
 Então se dá a passagem mais tocante de todo o livro. Príamo, bom rei de Tróia, pai de Heitor, vai ao acampamento de Aquiles durante a noite. Em um dialogo marcante lhe pergunta se seu filho morto lhe foi desleal, se ele não o honrou em batalha, e porque negava para esse homem a sepultura. Aquiles, ao ver justiça nas palavras do velho rei entrega o corpo de Heitor aos troianos.    
Imagino que sempre existiram dois tipos de soldados. Um como Aquiles, que luta pelas cores da gloria e notoriedade; e outro como Heitor, que pensa em garantir a segurança de sua família e dos que cerram fileiras ao seu lado. Ao pé preto sempre foi reservada a maior carga; se manter firme junto as trincheiras. Esse último, diferente do outro, não luta por glória, riqueza ou notoriedade. Ele já sabe que elas nunca lhe virão. Entretanto, acreditam que mesmo o seu maior sacrifício será mais uma expressão de sua inconformidade contra a opressão dos seus.
No tempo que passei em armas, sempre quando amarrei minhas botas pretas o fiz pensando no colega que estava no posto com as falanges enrijecidas, ou em minha família em casa. Pois entendia a nossa senda era feita de pedras. Também sabia que sem o “pé preto” o nobre “boot marom” jamais teria sua gloria...
O mais curioso desse canto é que justo Páris mata Aquiles, quando a cidade de Príamo cai por terra. Pagando assim uma fatura zerada ne seus atos por conta desse ter roubado a virtude da beleza de Menelau, e também, avivando o mérito da engenhosidade de Ulisses. Provando, também, mais uma vez, que o amor é uma arma mais forte que a espada. Assim como, que independete da cor de suas botas, se não tiveres cultivado a mesma paixão de Páris, de nada batalha alguma vai lhe valer...