quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Medice, cura te ipsum.



Quiron, o mais racional dos centáturos, foi o instrutor de vários heróis clássicos. Assim se fazendo o primeiro educador da antiguidade clássica. Virtuoso, tanto na arte da guerra e da lógica quanto da medicina. Fato curioso alude a não só a vida mas, sobre tudo, também a despedida desta divindade.
Em certa feita Quiron foi visitado pelo seu amigo Heracles, para a feliz ocasião velho professor manda que seja servido um odre de vinho. O aroma da bebida aguçou a cobiça dos demais centauros, selvagens e muito hostis ao homem. Dá-se fantástica batalha onde Heracles, armado de suas flechas envenenadas pelo sangue da Hidra Lerna, abate todos os centauros agressores. Infelizmente no afã da batalha fere acidentalmente o bom amigo Quiron. O Centauro, filho de Cronos, é imortal. Contudo o veneno da Hidra garante que o ferimento nunca feche, algo que estava muito além dos conhecimentos de cura do médico primordial. Não suportando a dor o velho Centauro renuncia a sua imortalidade e vai ao encontro do fim de seu enorme sofrimento entrando no reino dos mortos. Lembrando que o preço da imortalidade não é mais que a vergonha ou a dor eterna.
Tal mito me faz lembrar as considerações de Descartes sobre a eternidade e a imortalidade. Coisa que ele definia como uma piada de muito mal gosto caso se mostrassem verdadeiras. Mas não é sobre isso que venho em escrever hoje, e sim sobre o título do post: “Medice, cura te ipsum”(Médico, cura-te a ti mesmo) já presente no conto do mau médico de Ésquilo e que também aparece na doutrina cristã em Lucas 4.23, claras paródias do mito clássico.
Mitologia e religião à parte, fato é que hoje esquadrinhamos o organismo humano com maestria. Biólogos descobrem formas de enganarmos ao envelhecimentos, fiscos médicos e biomoleculares atuam em nível atômico junto as nossas células redesenhando proteínas e arquitetando mudanças no DNA. Em suma, somos capazes de construir ou desconstuir um ser humano na integra através do projeto genoma. Livro que escrevemos mas que temos tanta dificuldade para ler e produzir interpretação; estranho como isso é natural hoje... Identificamos e atuamos em dimensões nanométricas no corpo do individuo. Contudo, pouco sabemos do ente e da sua coletividade, a humanidade.
Tudo isso faz parte da maravilhosa idade pós-moderna em que vivemos. Porem não é pena que nossa concepção cientifica mecanicista tenha lançado visão sobre o homem e não sobre a humanidade. Essa última muito mais velha que qualquer um individuo ainda reside indômata em sua caminhada permeada de erros e acertos, em seu lento e gradual processo social evolutivo; imaculada junto a desejos, ânsias e aspirações. Por isso agradeço a tal fato, com o grato alívio libertário, de me entender ainda parte de algo que não foi aprisionado e analisado dentro de um tubo de ensaio sobre a prerrogativa gelada das lentes de um microscópio.

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