quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ser bom é fácil; o difícil é se manter justo.



Fiquei surpreso, semana passada, ao ler na camisa de um colega na universidade o dito: “-Ser bom é fácil; o difícil é se manter justo.”.


Diz uma antiga parábola que Licurgo, legislador espartano, certa feita foi provocado a realizar um palestra sobre os benefícios da educação. Pedindo um rato de tempo, o velho sábio se preparou para tal palestra.


Passado esse hiato retorna a agoras munido de duas gaiolas. Cada uma um lodos e também carregava dois coelhos nas mãos. Ao libertar o primeiro coelho ele liberta também o primeiro lobo. Imediatamente se dá frenética luta pela vida onde o coelho é implacavelmente devorado pelo lobo. Após guardar o animal ele repete novamente a experiência, desta vez com a segunda besta. A mesma cena de perseguição agita a agoras. Só que desta vez o lobo ao capturar o roedor prazerosamente brinca com sua presa, sem lhe fazer mal algum. Ficava assim demonstrado, brilhantemente, os benefícios da educação. O lobo, adestrado, foi incapaz de seguir seus instintos predatórios e devorar o afortunado leporídeo.


Tal coisa é impressionante na natureza, Skinner e Pavlov à parte, o condicionamento é capaz de fazer mesmo uma besta lupídia ter um comportamento bom e urbanizado aos olhos humanos. Ainda assim, o condicionamento a uma resposta é um processo mental inerente a qualquer criatura na natureza. Já o conceito de justiça, esse postulado de um processo mental mais elaborado, não ocorre de modo tão imediato ao comportamento. Afinal, sobre fria análise, que senso de justiça existe na segunda predação da fábula? E arriscando ir um pouco mais além, onde existe o ponto de intercessão entre os campos da educação, justiça e urbanisidade?

Em fim, fazer lobos e coelhos se comportarem bem é fácil. O difícil mesmo é fazer isso e não desequilibrar a relação justa entre lupus e leporídeos...

quarta-feira, 24 de março de 2010

A Mediação das Bruxas.



No fim da era européia medieval se vivia a formação de um novo inconsciente coletivo. O mundo ocidental emergia da idade das trevas, contudo o fervor religioso ainda ditava a ordem social. Paradoxalmente, neste período de fé na palavra de Cristo, fundamentadas no amor e na compaixão, as espadas possuíam afiação maior que a pregação religiosa. O conflito entre as não tão diferentes doutrinas católicas e protestantes lavava o solo europeu com o sangue de um número incontável de fiéis de ambos os lados.


Em uma época onde a crença era inabalável se fazia natural que essa determinasse as concepções de universo. Atribuindo neste placo tanto o bem e quanto o mal a uma esfera etérea na qual a sua concretização se só era possível através da influência mística. Fazendo parte do tablado histórico um rico jogo de cenários de batalhas entre a diabolicidade e a santidade. Tal fato fomentou um fantástico repertório folclórico europeu, sendo um dos mais fascinantes dentre esse a Bruxaria. Nesta dança espectral, entre a salvação e a corrupção da alma, a bruxa foi tomada como personificação máxima do poder das trevas sobre o ser humano. Curiosamente aceita unanimemente entre cristãos tanto católicos como protestantes.


Quando existia alguma tragédia, desavença ou simples infortúnio social ou familiar imediatamente tinha inicio a uma caçada as bruxas. As acusações eram muitas vezes mera forma vingança de alguma rixa particular. O processo de captura de uma bruxa se assemelhava em mecanismo como o da confirmação de um avistamento de OVNI na segunda metade do século XX. Assim que tal fato incendiasse em uma região, tomava força e crescia em afirmações de veracidade. Entre 1450 e 1750 foram registradas mais de 100.000 capturas de bruxas “confirmadas”. Havia, entretanto, um padrão na distribuição a atividade da bruxaria, que era muito mais ativa em regiões onde existia fronteira entre católicos e protestantes, Escócia; leste da França; assim como existia o alarmante índice de uma a cada três bruxas residirem na Alemanha. Também havia um padrão social associado. As bruxas eram em sua maioria mulheres viúvas ou solteiras, velhas, desfiguradas, pobres e quase sempre tinham casos de brigas com os visinhos. Contudo também não eram raros os casos de mulheres bonitas, homens com o perfil intelectual aguçado e até crianças encrenqueiras. Fica evidente que esses constituem tanto áreas como indivíduos muito mais propensos aos atritos pessoais do que o normal. Seja como fosse, assim que alguém não agüentasse mais os próprios contra-tempos e gritasse “-Bruxa!!!” alguém acabava cozido na fogueira. Assim a paz e tranqüilidade era recobrada no condado, pelo menos momentaneamente...


Infelizmente quando deixamos de acreditar em bruxas, nos idos da revolução industrial, perdemos também a fé na capacidade maligna do homem. Bastava ser cristão e de boa família para esse indivíduo ser promovido ao status de um portador do bem e dos bons costumes. O fruto amargo deste julgamento foi o mundo imergir nas aterradoras Guerras Imperiais, culminando com a I GG e seu desdobramento a II GG.


Hoje é muito comum voltamos a procurar culpados, ao invés de elucidar as possíveis causas de problemas. A igreja católica conclama nesta semana um “exército de exorcistas” a fim de apaziguar o crescente domínio do mal sobre a terra. Lembro-me do período de Guimarães Rosa, em Grande Sertão : Veredas: “Do Demo? Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfalam o nome dele – Dizem só: o Que-Diga. Vôte! não... Quem muito se evita se convive.”.

E nessa mediação maniqueísta entre o bem e o mal, arrastada por séculos, não tiramos ainda a nossa medida exata. Será que já tendo o estado humano pendido entre os dois lados extremos do mesmo problema ainda somos incapazes de formular essa síntese de tão violento conflito entre tese e antítese? Ou o pior, anda não amadurecemos o suficiente como sociedade para relacionar meras causas motivadoras mesquinhas a conseqüências funestas.
Acredito que o exercício da última reflexão é ainda um tanto agressivo ao espírito humano. Pois levanta o foco sobre uma óptica onde o indivíduo é vislumbrado como um ser capaz tanto de fazer o bem como o mal. Afinal, saber que quando observados de perto todos nós temos defeitos é relativamente fácil de aceitar. Contudo, observar as próprias limitações e tentar sana-las para a edificação de uma sociedade mais justa é um bocado mais difícil, não é mesmo?

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A geração posterior...




A segunda grande guerra foi motivadora da mias profunda ruptura social em nível de um passado recente. Nada se compara recentemente ao esforço de toda uma geração que adentrava e escrevia a tinta vermelha uma das mais pesadas paginas da história humana. Contudo, as sinistras luzes do palco europeu, assim como os sons da devastadora era nuclear no oriente ofuscou toda a geração posterior. Neste hiato se fundamentou o inicio da cultura underground, e deste vácuo social alimentavam toda uma nova forma de arte e de se pensar a vida. Juntado passos a Ernest Hemingway, Jack Kerouac e as demais genialidades brilhantes fomentadoras da geração beatnik simplesmente levavam em frente suas existências. Tal grupo, tomados pela sociedade por não mais que um bando de vagabundos errantes, não tinha grandes pretensões, contudo, finalmente a parte do estremo norte da América firmava os primeiros passos em uma forma de cultura original..
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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Um Erro Além do Horizonte



Comumente ao pensarmos sobre o período temporal da Antiguidade Clássica, talvez induzidos pelo nome, nossa mente é povoada por Gregos e Romanos, em uma esfera mental mais externa; Sumério e Egípcios, em um nível mais profundo. Junto a esses, no máximo, adicionamos alguns povos semi-barbaros, que hora sim, hora não, reivindicavam o brilho máximo de um talentoso coadjuvante na escrita da história. Tal qual as montanhas que cobriam nossa vista essa imagem mental de civilização ainda esconde o magnífico Império que era edificado as margens do Rio Amarelo. Possuidores de um espírito inventivo impar os Chineses estavam muito a frente do ocidente em tal época. Nesse período Confúcio dava os seus primeiros passos na província de Shandong. O papel era manufaturado em larga escala a ponto de ao passar de poucas décadas a imprensa ter se fundamentado neste solo através de técnica de xilogravuras. Propiciando não só que as idéias fossem difundidas nos séculos subseqüentes, mas também fomentado a alfabetização de toda uma classe operária. Todo o candidato a serviço público possuía uma cópia do livro contendo os preceitos de Confúcio assim como outro com a doutrina Budista. Possuíam um manual agrícola, largamente difundido entre os fazendeiros que mostrava como aprimorar, manipular e selecionar sementes. Iniciaram não só a construção da grande muralha, como também possuíam um canal artificial igualmente colossal onde escoavam a produção agrícola de maneira ágil e segura. Seus alquimistas ensaiavam os primeiros experimentos com pólvora. Desenvolveram várias técnicas de navegação. Foram os primeiros a edificaram pontes suspensas por correntes. No campo da medicina eram virtuosos fitoterápiticos e também foram os primeiros a identificar doenças relacionadas ao trabalho. Na metalurgia nada deviam as forjas Germânicas medievais, mesmo estando separados por séculos de antecedência.


Sob tal óptica poderíamos vir a concluir que essa sociedade corria a passos largos a revolução industrial antes mesmo do inocente ocidente adentrar na alta idade média. Fato é que tal coisa nunca ocorreu. Acontecimento estranho aos olhos ocidentais. Contudo facilmente explicável. Eram cartógrafos primorosos, contudo a escala era guardada a representar tão somente pequenas vilas e propriedades rurais. Suas terras e cultivos eram ricos, acreditavam estar sitiados no jardim da humanidade, nada de melhor poderia existir além de suas cidadelas. Eram hábeis marinheiros, é fato que inventaram a bússola, contudo se dedicavam simplesmente a navegação de cabotagem. Quando Colombo arriscava as primeiras tentativas de circulo navegação anda os cientistas Chineses tinham a convicção que o mundo era plano e que a China era seu centro. Fora isso nenhum outro empecilho tecnológico impedia a China ter chegado a América em pleno período ocidental clássico.


Tais idílios podem ter fundamento no budismo, doutrina que prega a certo conformismo de alma e ambição. Contudo a mim parece que o pecado maior dessa magnífica civilização foi a total incapacidade de sonhar, a temerária precariedade no ato de se reinventar em um processo cíclico. Não por medo de arriscar algo maior, mas sim pela plena certeza de já possuírem tudo que poderiam vir a querer. Não me causa espanto saber que a pequena tribo dos Mongóis, não mais que um rato que rugia alto de dentro de uma garrafa no coração da Ásia, os subjugaram de tão fácil mente. Esses atrevidos cavaleiros tiveram a genialidade de apresentar o mais nocivo elemento ao Império Chinês, ou a qualquer outra sociedade sedimentada; eles trouxeram o “novo”.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Medice, cura te ipsum.



Quiron, o mais racional dos centáturos, foi o instrutor de vários heróis clássicos. Assim se fazendo o primeiro educador da antiguidade clássica. Virtuoso, tanto na arte da guerra e da lógica quanto da medicina. Fato curioso alude a não só a vida mas, sobre tudo, também a despedida desta divindade.
Em certa feita Quiron foi visitado pelo seu amigo Heracles, para a feliz ocasião velho professor manda que seja servido um odre de vinho. O aroma da bebida aguçou a cobiça dos demais centauros, selvagens e muito hostis ao homem. Dá-se fantástica batalha onde Heracles, armado de suas flechas envenenadas pelo sangue da Hidra Lerna, abate todos os centauros agressores. Infelizmente no afã da batalha fere acidentalmente o bom amigo Quiron. O Centauro, filho de Cronos, é imortal. Contudo o veneno da Hidra garante que o ferimento nunca feche, algo que estava muito além dos conhecimentos de cura do médico primordial. Não suportando a dor o velho Centauro renuncia a sua imortalidade e vai ao encontro do fim de seu enorme sofrimento entrando no reino dos mortos. Lembrando que o preço da imortalidade não é mais que a vergonha ou a dor eterna.
Tal mito me faz lembrar as considerações de Descartes sobre a eternidade e a imortalidade. Coisa que ele definia como uma piada de muito mal gosto caso se mostrassem verdadeiras. Mas não é sobre isso que venho em escrever hoje, e sim sobre o título do post: “Medice, cura te ipsum”(Médico, cura-te a ti mesmo) já presente no conto do mau médico de Ésquilo e que também aparece na doutrina cristã em Lucas 4.23, claras paródias do mito clássico.
Mitologia e religião à parte, fato é que hoje esquadrinhamos o organismo humano com maestria. Biólogos descobrem formas de enganarmos ao envelhecimentos, fiscos médicos e biomoleculares atuam em nível atômico junto as nossas células redesenhando proteínas e arquitetando mudanças no DNA. Em suma, somos capazes de construir ou desconstuir um ser humano na integra através do projeto genoma. Livro que escrevemos mas que temos tanta dificuldade para ler e produzir interpretação; estranho como isso é natural hoje... Identificamos e atuamos em dimensões nanométricas no corpo do individuo. Contudo, pouco sabemos do ente e da sua coletividade, a humanidade.
Tudo isso faz parte da maravilhosa idade pós-moderna em que vivemos. Porem não é pena que nossa concepção cientifica mecanicista tenha lançado visão sobre o homem e não sobre a humanidade. Essa última muito mais velha que qualquer um individuo ainda reside indômata em sua caminhada permeada de erros e acertos, em seu lento e gradual processo social evolutivo; imaculada junto a desejos, ânsias e aspirações. Por isso agradeço a tal fato, com o grato alívio libertário, de me entender ainda parte de algo que não foi aprisionado e analisado dentro de um tubo de ensaio sobre a prerrogativa gelada das lentes de um microscópio.