No fim da era européia medieval se vivia a formação de um novo inconsciente coletivo. O mundo ocidental emergia da idade das trevas, contudo o fervor religioso ainda ditava a ordem social. Paradoxalmente, neste período de fé na palavra de Cristo, fundamentadas no amor e na compaixão, as espadas possuíam afiação maior que a pregação religiosa. O conflito entre as não tão diferentes doutrinas católicas e protestantes lavava o solo europeu com o sangue de um número incontável de fiéis de ambos os lados.
Em uma época onde a crença era inabalável se fazia natural que essa determinasse as concepções de universo. Atribuindo neste placo tanto o bem e quanto o mal a uma esfera etérea na qual a sua concretização se só era possível através da influência mística. Fazendo parte do tablado histórico um rico jogo de cenários de batalhas entre a diabolicidade e a santidade. Tal fato fomentou um fantástico repertório folclórico europeu, sendo um dos mais fascinantes dentre esse a Bruxaria. Nesta dança espectral, entre a salvação e a corrupção da alma, a bruxa foi tomada como personificação máxima do poder das trevas sobre o ser humano. Curiosamente aceita unanimemente entre cristãos tanto católicos como protestantes.
Quando existia alguma tragédia, desavença ou simples infortúnio social ou familiar imediatamente tinha inicio a uma caçada as bruxas. As acusações eram muitas vezes mera forma vingança de alguma rixa particular. O processo de captura de uma bruxa se assemelhava em mecanismo como o da confirmação de um avistamento de OVNI na segunda metade do século XX. Assim que tal fato incendiasse em uma região, tomava força e crescia em afirmações de veracidade. Entre 1450 e 1750 foram registradas mais de 100.000 capturas de bruxas “confirmadas”. Havia, entretanto, um padrão na distribuição a atividade da bruxaria, que era muito mais ativa em regiões onde existia fronteira entre católicos e protestantes, Escócia; leste da França; assim como existia o alarmante índice de uma a cada três bruxas residirem na Alemanha. Também havia um padrão social associado. As bruxas eram em sua maioria mulheres viúvas ou solteiras, velhas, desfiguradas, pobres e quase sempre tinham casos de brigas com os visinhos. Contudo também não eram raros os casos de mulheres bonitas, homens com o perfil intelectual aguçado e até crianças encrenqueiras. Fica evidente que esses constituem tanto áreas como indivíduos muito mais propensos aos atritos pessoais do que o normal. Seja como fosse, assim que alguém não agüentasse mais os próprios contra-tempos e gritasse “-Bruxa!!!” alguém acabava cozido na fogueira. Assim a paz e tranqüilidade era recobrada no condado, pelo menos momentaneamente...
Infelizmente quando deixamos de acreditar em bruxas, nos idos da revolução industrial, perdemos também a fé na capacidade maligna do homem. Bastava ser cristão e de boa família para esse indivíduo ser promovido ao status de um portador do bem e dos bons costumes. O fruto amargo deste julgamento foi o mundo imergir nas aterradoras Guerras Imperiais, culminando com a I GG e seu desdobramento a II GG.
Hoje é muito comum voltamos a procurar culpados, ao invés de elucidar as possíveis causas de problemas. A igreja católica conclama nesta semana um “exército de exorcistas” a fim de apaziguar o crescente domínio do mal sobre a terra. Lembro-me do período de Guimarães Rosa, em Grande Sertão : Veredas: “Do Demo? Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfalam o nome dele – Dizem só: o Que-Diga. Vôte! não... Quem muito se evita se convive.”.