Círio J. Simon
Não existe solidão maior que a companhia de um Paulistano.
Nelson Rodrigues.
RESUMO:
Ao adentrarmos no estudo da obra de Hopper devemos compreender que sua produção é pautada por diversos aspectos psicológicos e sociológicos da construção de um novo inconsciente coletivo do homem urbano do início do século passado. A vida nas grandes cidades pós-primeira guerra abandonava os últimos resquícios culturais do período social urbano colonial vitoriano. A quebra da bolsa de valores de Nova York no período do entre guerras e a impressão de impotência do trabalhador urbano jogado fronte a um mecanismo macro-financeiro fez fortalecer os sindicatos trabalhistas que marcavam em tintas vermelhas o período da depressão norte-americana. As idéias e teorias de Freud se popularizavam ao passo que o homem deixava de ser visto como um ser puramente social e tornava-se, cada vez mais, um ente que se posiciona e reage de modo particular e pessoal perante a sociedade. A massificação impessoal urbana aos poucos destruía os núcleos de convívio comum, mais próprio, neste momento, das pequenas cidades rurais. O individualismo social, a perda da identidade coletiva e a falta de esperança no futuro comunitário transformavam fortemente o plano sociológico de época. Nesta conjuntura cultural Edward Hopper encontrou terreno fértil para o florescimento de sua arte. Sua obra é impregnada dessas características, forjando assim um retrato fiel da sociedade norte-americana do alvorecer do século XX.
PALAVRES-CHAVE: Edward Hopper, Arte, Urbanismo, Norte América.
1 CONTEXTO HÍSTORICO
A sociedade sofria marcante reformulação no período entre-guerras. Como conseqüência do esforço de guerra, a Europa vivenciara um surto científico e tecnológico. As idéias do alemão Karl Marx ganhavam forças sob a luz do luar do oriente europeu. As classes operárias européias, já bastante castigadas pelo esforço de guerra e pela falência do sistema monetário industrial imperialista, vislumbravam tais idéias como uma nova possibilidade de sociedade mais igualitária.
A revitalização da indústria norte-americana fomenta uma nova onda de imigração de mão de obra para o novo mundo. Essa esculpia a marcantes cinzeladas um novo perfil para os antigos centros urbanos estadunidenses. Trouxeram consigo, esses imigrantes europeus, um pouco mais que suas ferramentas de trabalho; em seu rol de pertences também existia um privilegiado espaço para sua bagagem cultural. Muito desta constituída de hábitos e costumes, alguns deles fundamentados no berço do comunismo e do anarquismo. Esse aparente idílio de igualitarismo na verdade enraizavam no concreto urbano os primeiros brotos do individualismo metropolitano. Contudo, por se tratar de uma diáspora da classe trabalhadora, a arte norte-americana ainda assim se mantinha relativamente imaculada ao “avant-guarte” europeu. Na mesma época surgia nos subterrâneos da 5° Av. em Nova York um grupo de artistas que, com seus pinceis, a traços ágeis, delineariam os tons de uma nova vertente do realismo fotográfico, galgada sobre o seletismo da realidade representada. Esses ficaram conhecidos como o grupo do “The Eigth” e grande parte de seu trabalho era dedicado ao retrato poético dos maginalizados nos guetos de Nova York. Fruto deste embrião artístico fecundado nos porões da Times Square, a arte de Hopper torna-se um forte expoente da identidade cultural urbana norte-americana.
2. A OBRA
Um marco importante na vida de Edward Hopper foi a aquisição de seu primeiro veículo, tal fato não só veio a ser motivador do encurtamento das distância, mas também um propiciador de expansão dos seus horizontes culturais. Junto à sua esposa Josphine, costumeiramente embarcados em seu velho Dodge, experimentaram sabores e impressões que iam do frio gélido da tundra canadense ao tórrido calor dos desertos mexicanos. Essa viagem “On the Road” não só evidenciou a formalidade da solidão da vida moderna, mas também propiciou o contato com demais intelectuais da incipiente cultura underground, entre eles o próprio beatnik Jack Kerouac. A experiência “na estrada” que Hopper vivenciou, junto a Kerouac, evidencia a relação de individualidade e solidão do trabalhar ante ao serviço e suas possibilidades. Fomentado o sentimento de individualismo do ente, imerso na era pós–industrial, ante ao universo que são mutuamente abandonados(Fig. 1 e 2).
(Fig 1. Estudo preliminar, Gasolina - 1940)
(Fig 2. Gasolina.)
Nessa senda Hopper percebeu que as estradas não como um meio de união entre dois centros urbanos, mas sim uma via física que reproduzia involuntariamente a falta de comunicação entre, e nos, diversos núcleos familiares de uma cidade. Tal experiência leva essas vias a se tornar um série de crônicas visuais de “Não Lugares”, pontos onde a história e a identidade são negadas. Quarto de hotel, evidência a solidão no espaço urbano sem memória(Fig. 3). Junto a esses está inerente hotéis, aeroportos e demais vais que por não possuírem memória própria, dicotomicamente, segundo Salavisa, se apresentam em um caráter universal e familiar ao viajante.
Neste cenário efêmero se dá a obra de Hopper, em um ambiente transitório edificado por uma sociedade onde a comunidade não é mais tão importante quanto o serviço e que o “Eu” que alheio percebe não mais que o universo imediato, contudo nada registra. Em Night Hawks, fica presente não só o individualismo das pessoas retratadas “que não se olham” também a intenção de interação predatória de serviço prestado. Fica evidente a exclusão de todas as demais pessoas das ruas da cidade de Nova York que não tem a ver com o momento(Fig. 4).
(Fig. 4. Night Hawks)
A falta de uma identidade fomenta o sentimento quase nômade de constante mudança de sitio. Lembrando a frase de um dos influenciadores da obra de Hopper, Baudelaire: creio que estaria sempre bem onde não estou. Neste contexto se da a necessidade de formação de critério pessoal interno e por isso a intenção do recolhimento monástico a espaços urbanos impessoais a fim de satisfazer a compulsão a reflexão. Tal melancolia e solidão criam o contra-ponto, impulsionam e perspectivam o raciocínio individual. Aspectos como direcionamento iluminação e a mínima presença de decoração são normalizados e isolados projetando o individuo em sua busca. Toda a possibilidade de aprisionamento do ente no local onde ele se encontra é removida, ressaltando assim não só o distanciamento local, mas também, o mental do ser que busca por respostas pessoais a suas indagações. Em Morning Sun vemos a impessoalidade do ambiente na completa falta de decoração do quarto, as paredes são nuas, desprovidas mesmo de tinta, não existem cortinas ou persianas. Tudo que roube a atenção e não seja essencial a solidão própria para a reflexão é subtraído.
Hopper mantinha um relação explorador de espaços urbanos, entendia o individualismo das metrópoles, contudo não era um aventureiro desvairado. Mas sim uma pessoa próxima aos ideais fomentados pelo individualismo da geração pós-guerra beatnik, altamente intelectualizada, que buscava o isolamento pessoal e como decorrência dos fatores sociais anteriores abandonara por vez o sentimento de coletividade. Tais sentimentos podem também ser vislumbrados em sua obra. Em Approaching a City mostra não só um momento individual de percepção do trem que está prestes a rasgar as entranhas da cidade via subway adentrando em Nova York, como também revela a ânsia por ser jogado um desconhecido paradoxalmente já cotidiano(Fig. 6).
(Fig. 6. Approaching a City)
Muito do ferramental técnico de Hopper era constituído por artifícios arquitetônicos: expressividade de traçado, noções de perspectiva arquitetônica, simplificação de representatividade tanto formal como de luz-sombra e técnicas de apelo psicológico para a construção de sentimentos espaciais. Fomentando tais sentimento, segundo o Dr. Círio Simon, Hopper usa a técnica média-extrema-razão. Onde o primeiro plano é deixado vazio para evidenciar amplitude, solidão e desacolhimento(Fig. 7). Na representação podemos sentir o vazio em primeiro plano. A técnica pode vista nas proporções guardadas no quatro. Hopper ao privilegiar o espaço vazio no centro remete o interlocutor a melancolia da inexistência de forma(Fig. 9). Essa relação com a arquitetura gerou forte crítica de seus contemporâneos, sendo por algum tempo tomado pelos erodidos como um artista menor. Condição que só veio a mudar com o advento posterior da Pop-Art.
Tal relação com a Arquitetura não se limita as técnicas utilizadas, a própria arquitetura vernácula americana foi alvo de sua obra(Fig. 9). Essa como cenário de pano de fundo para a relação do indivíduo remetido a busca da individualidade ansiada pelo seu ego que se contrapõe ao trabalho coletivo em um centro urbano. Tais imagens sempre reforçam o parecer da busca individual do trabalhador abandonado ao seu inconsciente. vemos novamente o vazio valorizado, assim como o individuo remetido a não produção e ao próprio “Eu”(Fig. 10).
Mesmo os espaços urbanos públicos retratados pelo artista fica presente tais características psicologias do ente contraposto ante ao social, que em sua relação trabalhista com os demais membros da sociedade tem em ápice a negação de seu ego. Essa é a evidência máxima da perda da credibilidade das grandes metrópoles no futuro prometido pelo “Americam Way of Live” que prega que o individuo é super valorizado e libertariamente onipotente ante a sociedade, com resquício metabolisado dos ideais germinados pela mão de obra anarquistas advinda no entre-guerras que pregavam a edificação do “Eu” supramoral e suprasocial . Em New York Movie Hopper mostra a trabalhadora valorizada em segundo plano que presa a suas introspecções espera o fim da secção(Fig. 11). Em Barbershop o cotidiano de uma barbearia, onde o tempo se mostra parado na metáfora do relógio partido pela luz na parede(Fig. 12). Hopper retrata o barmen desamparado na solidão da passagem pública.(Fig. 13).
O artista também percebe o inicio da desconstrução da família nuclear em centros urbanos. Antes em pequenas cidades tendo sido tomada por cerne dos valores americanos, agora delegadas a simples grupos familiares que dividem e compartilham o mesmo lócus. Presos ao próprio individualismo compartilham o local, porem não existe evidência de interação entre os casais que habitam os mesmos espaços. Unidos somente pelo local e não pelas vidas, o artista demonstra que mesmo acompanhado o ser urbano está preso ao condicionamento das estruturas sociais vigentes na super valorização do ego. Em Room in New York vemos o casal que dividem o mesmo espaço porem novamente não interagem entre si(Fig. 14). Em Hotel by a Railroad novamente a permanência física porem o distanciamento mental do local(Fig. 15). Mesmo em cenários de relativa intimidade fica evidente que apenas as pessoas estão no lugar e seu psiques escapam para outros locais(Fig. 16)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Destarte, Hopper tece uma radiografia da sociedade norte-americana da primeira metade do século passado. Para tal feito compõe maestralmente um mosaico de pequenos, mas significativos, recortes da vida urbana. Em sua obra, firmemente pautada pela então ascendente teoria do inconsciente assim como pelos reflexos sociais de duas arrebatadoras guerras o artista nos remete ao cotidiano urbano. Contudo essa não é uma visão externa ou estereotipada de metrópoles que galopam a ágeis passos em dinamismo, progresso e velocidade; mas sim em um cotidiano vivenciado pelo ser urbanóide comum que massificado pelo sistema social tenta escapar física ou psicologicamente do local monótono onde se encontra, reforçando assim o individualismo do ente que se defronta com a sociedade que oprime seu ego. Tal obra é impressionantemente despida de estéticas primordiais ou técnicas refinadas o que delega ao conjunto da obra um traço de deliciosa humanidade. O artista também nos desequilibra ao evidenciar que mesmo acompanhado o ser humano tem a estranha propriedade de permanecer só, assinalando a tímidas pinceladas que solidão não é uma questão de companhia. Sua obra permanece atual, análise mais criteriosa da obra de Hopper pode vir a propor respostas edificantes para aqueles que tem como objetivo um planejamento urbano e social mais justo e humanizador.