Orfeu era um músico primoroso que, junto a Jasão, buscou o Velo de Ouro em uma terra distante no além mar. Terra essa, que em um exercício de imaginação, e fantasia, bem poderia bem ser nossa boa Terra Brasilis; local onde seu povo cordial não conhecia a guerra e amavam a música. Mas não é sobre as peripécias de Jasão, e seus Argonautas, que me desequilibra ao exercício da escrita hoje. Mas sim a data carnavalesca, que já faz parte, profanamente, de nossas mais enraizadas tradições populares. Para tal fecha lembro do feito desse herói, em sua maior aventura, no reino de Hades. Zelando pela vida de sua amada, foi uma das poucas personalidades, fora as do panteão maior grego, que visitou o reino dos mortos e voltou. Cabe, aqui, também lembrar que a palavra “música” para os gregos antigos não divergia da palavra “magia”.
Eurídice era a senhora do amor de Orfeu. Uma ninfa que era possuidora de uma beleza impar. Dadiva realmente duvidosa para qualquer moça, dado que logo sua virtude atraiu Aristeu, também filho de Apolo, e mestre dos apicultores. O asco da ninfa pelo meio-irmão de Orfeu era tanto que ao escapar de uma de suas invertidas Eurídice é picada fatalmente por uma cobra, e assim adentra no reino de Hades.
Inconfortável com a perda de sua musa, Orfeu decide o impensável... Barganharia com Hades a existência carnal de sua esposa. Uma jornada de provações se apresenta ao herói. Já nas portas do reino dos mortos cativa Cérberos com sua música, monstruoso cão de tricéfalo que guardava o Trátaro, guardião garantidor que nada passasse por seus umbrais. Após testemunhar os horrores guardados aos que cultivaram uma vida sem brilho, ele adentra nos Campos Elísios e executa sua mais comovente peça para o rei dos mortos, irmão de Zeus. Tocado com o sentimento da obra de Orfeu, Hades pela primeira vez experimenta o sentimento humano da compaixão, e chora. Concede ao músico a oportunidade de resgate de sua musa, mas impõe uma condição: Que ela o siga, mas que ele nunca olhe para trás para para se assegurar que sua amada lhe acompanhava. Passam eles pelas agruras do regresso, sem ele saber se ela estava em seu encalço. Mas pouco antes de saírem, Orfeu se rende a dúvida, ele olha para ver se sua esposa ainda lhe seguia. Erro fatal que garante a alma de Eurídice novamente volte para a terra de Hades, local onde, fora Leônidas, jamais mortal algum escapou. Completando, assim, a tragédia do músico primordial.
Aqui acaba a história de Orfeu. Mas não deixo de me questionar sobre suas implicações. Será possível que um artista jamais terá retorno correto, e confiável, de sua obra? E se caso ele o procure, deixará esse de ser verdadeiro artista? Fato estranho alude o mito, e a autenticidade na obra de um homem... Mesmo quando amamos, não podemos deixar de sermos fieis aos nossos sentimentos e convicções. Talvez nisso resida a maior grandeza da alma do artista, a crença em sua autonomia em sentimentos.
Talvez o que Hades demonstra é a dúvida sobre o retorno da obra artistica seja apenas do seu criador já que até um deus o reconheceu. E quando o artista se rende a dúvida e olha para trás querendo confirmar seu sucesso, some o retorno tão esperado. Uma implicação desse pensamento pode ser que o artista não deve procurar segurança na sua arte, tente procurá-la em outro lugar pois isso compromete criatividade e arruina a continuidade do sucesso. Como tu mesmo contou, Locatelli esbraveja a teu pai: "Ma per que paura???". Talvez ele estivesse remetendo a história de Orfeu.
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